quinta-feira, 26 de maio de 2011

Terapêutica I: Forum de Diabetes mellitus

A propedêutica de um paciente recém diagnosticado com diabetes mellitus tipo 2 depende de alguns fatores, como os valores das glicemias de jejum e pósprandial e da HbA1c; o peso e a idade do paciente; a presença de complicações, outros transtornos metabólicos e doenças associadas; e as possíveis interações com outros medicamentos, reações adversas e as contra-indicações. Pode-se optar por iniciar prontamente o tratamento medicamentoso ou iniciar o tratamento apenas com modificações do estilo de vida. Primeiramente, é preciso lembrar que o Sr. Adauto é um paciente que tem precária adesão terapêutica. Por exemplo, as mudanças no estilo de vida, que seriam a “base” terapêutica, não só em relação a DM, mas também para HAS, dislipidemia e obesidade, por exemplo, não foram realizadas por ele após 5 anos de tratamento!! Ele permanece sedentário, com erro alimentar, e inclusive ganhou peso (atualmente, classificado como obeso grau I). Continua fumando, e não parou de ingerir álcool (mas pelo menos reduziu a quantidade). Ou seja, ele apresenta muitos problemas, e muitos fatores de risco para doença cardiovascular. Além disso, ele apresenta níveis consideravelmente elevados de glicohemoglobina, e microalbuminúria, o que também causa preocupação. Assim, acredito que somente as modificações do estilo de vida fariam muita pouca diferença!!! Logo, iniciaria de imediato o tratamento farmacológico. Além do que, para pacientes com glicemia de jejum entre 151-270 (caso do paciente) já está indicada inclusive uma combinação de secretagogo (sulfoniluréia) com anti-hiperglicemiantes, e a níveis de HbA1c >8,5% já está indiciada insulinoterapia. Ou seja, acho que a terapia medicamentosa deve ser precoce para prevenir a progressão da doença e evitar o uso de insulina! Apesar disso, acho que é papel do médico enfatizar SEMPRE as mudanças do estilo de vida, um dia alguma coisa vai ter que ficar, hehe (o consumo de álcool diminuiu, para um paciente extremamente não-aderente como o Sr. Adauto, já é um começo!).

Uma vez que decidimos iniciar imediatamente a terapia farmacológica, devemos decidir qual o medicamento deve ser utilizado.Primeiramente, a metformina está indicada porque todos os pacientes virgens de tratamento devem iniciá-lo com o uso de metformina e modificações do estilo de vida. A metformina é um medicamento relativamente seguro para início do tratamento, uma vez que não aumenta a secreção de insulina e está associada a menor risco de hipoglicemia, além de possuir uma ação sensibilizadora periferica mais discreta, e, ainda, apresenta certo efeito anorexígeno, o que contribui em casos de obesidade (como é o caso do Sr. Adauto). Também apresenta efeitos favoráveis à síndrome metabólica. No caso do Sr. Adauto, que já se apresenta na fase 2 com uma glicemia de jejum de 160mg/dl, está indicada inclusive a associação de dois medicamentos: metformina (ou uma gliptina ou glitazona) associada a sulfoniluréia, no caso a glibenclamida. Entretanto, fico receosa de iniciar logo de imediato uma terapia associada, acho que teria medo de uma hipoglicemia. Logo, iniciaria primeiramente a metformina e avaliaria posteriormente (2 ou 3 meses) o início da glibenclamida.

Quanto aos exames de retorno do paciente (glicemia de jejum 120mg/dl e HBA1c 8,0%),vejo duas possíveis explicações:
- Se fosse o primeiro exame do paciente que tivesse mostrado uma glicemia de jejum de 120mg/dl e uma HbA1c de 8,0%, pensaria numa hiperglicemia pós-prandial mesmo, pois a elevação discreta dos níveis de glicemia de jejum não são suficientes para explicar o aumento da HbA1c, como a Michele disse. Então provavelmente eu associaria um medicamento de ação anti-hiperglicemiante mais curta, como a acarbose ou a uma glinida. Entretanto, é preciso estar atenta ao fato de que esses medicamentos são relativamente caros (cerca de R$40,00 para acarbose e R$50 a R$100 para a repaglinida). Portanto, acho que iniciaria de uma vez com uma insulina de curta ação após as refeições (ou logo antes?) que resolveria o problema da hiperglicemia pós-prandial.
- Como eu já tinha uma glicemia de jejum prévia do paciente de 160mg/dl, se eu tivesse esse segundo exame com uma glicemia de jejum de 120mg/dl e HbA1c de 8,0%, eu pensaria muito mais em uma má adesão do tratamento do que em hiperglicemia pós-prandial. Ainda mais com a história complicada do Sr Adauto de má adesão! Pensaria que ele tomou o medicamento só no dia de fazer o exame, o que explicaria o aumento da HbA1c. Nesse caso, provavelmente minha conduta seria manter a dose de metformina que ele já estava usando e, mais uma vez, ressaltar a importância da adesão ao tratamento.

Resta-nos então estabelecer os efeitos adversos dos principais medicamentos utilizados no tratamento do paciente (glibenclamida e metformina) e orientar o paciente de modo a prevení-los. A glibenclamida tem como efeito adverso a hipoglicemia, pois é um medicamento que promove aumento da secreção de insulina. Logo, ele deve ser tomado junto com a primeira refeição substancial do dia, e deve-se esclarecer ao paciente que ela não pode ser tomada em jejum. Outro efeito adverso da glibenclamida é o ganho de peso (acredito que devido ao efeito anabólico da insulina?). Nesses casos, a própria associação com a metformina pode contrabalancear esse efeito, uma vez que a metformina provoca diminuição do peso (ou pelo menos diminuição do ganho ponderal). Pode-se também estimular (ainda mais!!) as modificações do estilo de vida, com atividades aeróbicas que podem ajudar a controlar o peso. Já para a metformina, as reações adversas mais comuns são as perturbações do trato gastrintestinal como náusea, vômito, diarréia e desconforto abdominal, além de mal- estar e hiperventilação. Isto pode ser evitado ou minimizado iniciando-se o tratamento com uma dosagem mais baixa e ingerindo a droga durante ou após às refeições. Na maioria das vezes, esses sintomas podem regredir; entretanto, caso os sintomas persistam, deve-se interromper o tratamento, pois esses sintomas podem causar acidose lática potencialmente grave. Também pode ocorrer anorexia, muitas vezes usadas como justificativa para associá-la com a insulina.

2 comentários:

Anelise Impellizzeri disse...

Ei Rafaela, gostei de seus comentários e reflexões. Não acredito muito no poder da acarbose nem das glinidas. Acho mais prudente iniciar insulina nestes momentos, com raras exceções. Se o Sr Adauto tivesse 78 anos, suas metas mudariam?
E se ele tivesse te levado as glicemias capilares que faz sempre, com valores de jejum desta forma: 97, 159, 120, 144, 109, 98, 189,...como você interpretaria este fato? Qual o real valor de uma glicemia de jejum isolada???
Parabéns pelas respostas,
Anelise

Rafaela Ervilha Linhares disse...

Oi Anelise!
Estava conversando outro dia com uma endócrino que conheci. Ela também me disse que com uma glicemia de jejum de 120mg/dl e HbA1c 8,0% inicialmente pensaria em má adesão. Caso não fosse esse o caso, pensaria em uma "falha secretiva" e iniciaria uma sulfoniluréia (não entendi bem essa "falha secretiva")... ela disse que é muito difícil estabelecer o diagnóstico de hiperglicemia pós-prandial, mas, se fosse esse o caso, ela tem obtido ótimos resultados com a acarbose (claro, em consultório particular). Você tem notado algum benefício deste tipo?
Vou pesquisar as outras considerações que vc colocou e posto aqui...
Abraços!
Rafaela

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