sexta-feira, 10 de junho de 2011

Estudo Dirigido - Hipotireoidismo

CASO CLÍNICO : SR. JOSEFINO DA CRUZ
O Sr. Josefino da Cruz de 59 anos, sexo masculino, queixa-se de astenia, sonolência, adinamia, dificuldade de memória e de concentração há cerca de 1 ano, coincidindo com aposentadoria. Atribuiu o fato a depressão e procurou psiquiatra que prescreveu fluoxetina. Não obteve melhora com a fluoxetina e passou a não dormir bem.
Tem dislipidemia diagnosticada há 2 anos, com colesterol total de 250 mg/dL e LDL elevado, na faixa de 170 mg/dL, mas recusa-se a usar medicamento, pois diz já ter utilizado e “não adiantou nada”.
Procurou ambulatório de clínica geral, onde se observou discreto bócio difuso de superfície lisa, FC 64 bpm, PA 130 x 90 mmHg, IMC 28.
Foram solicitados os seguintes exames:
TSH: 13,8 mU/L (ref 0,5-4,5),
T 4livre: 0,7ng/dl (0,8-1,8);
Glicemia jejum: 104mg/dl
Creatinofosquinase: 567UI/ml (até 190 UI / ml em homens).


1)    Comente os sinais e sintomas encontrados, correlacionando-os com o hipotireoidismo.
Nos pacientes com hipotireoidismo, ocorre uma diminuição da taxa metabólica e um acúmulo de glicosaminoglicanos (decorrente de aumento na síntese do áido hialurônico) que se deposita no espaço intesticial de diversos órgãos. Essas duas alterações explicam a maioria dos sinais e sintomas da doença.
      O Sr. Josefino queixou-se de astenia, sonolência (e ao mesmo tempo sono ruim), adinamia, dificuldade de memória, que são sintomas do sistema nervoso muito comuns no hipotireoidismo devido à diminuição do metabolismo da glicose e diminuição do fluxo sanguíneo cerebral. Esses mesmo sintomas poderiam ser confundidos com um quadro de depressão, uma vez que ainda houve coincidência do início dos sintomas com a época de aposentadoria do paciente. Entretanto, a ausência de resposta clínica com o uso da fluoxetina é um dado que fala a favor de outra causa para esses sintomas, no caso o hipotireoidismo.
      Outro sinal que o paciente apresenta é a dislipidemia, que também pode ocorrer no hipotireoidismo devido à redução do clearence de LDL e favorece a aterogênese em hipotireóideos. O fato de medicamento antilipemiante não ter tido efeito também diz a favor de uma causa secundária de hiperlipidemia do paciente.
      No mais, o paciente apresentou bócio difuso e aumento do IMC, explicável pelo aumento de peso decorrente da retenção de sal e água que ocorre nesses pacientes, além de redução do metabolismo com acúmulo de gordura e redução da lipólise.

2)    Este paciente é portador de hipotireoidismo subclínico? Por quê?
      Não. O hipotireoidismo subclínico é diagnosticado quando ocorrem níveis elevados de TSH com T4 livre normal. Além disso, normalmente o paciente com hipotireoidismo subclínico é assintomático, o que não é o caso do Sr. Josefino, que apresenta sinais e sintomas clássicos do hipotireoidismo.

3)    Qual a etiologia mais comum do hipotireoidismo? Como diagnosticá-la?
A causa mais comum do hipotireoidismo é a tireoidite auto-imune, também chamada de tireoidite de Hashimoto, decorrente de uma produção anormal de anticorpos que atacam a tireóide e causam uma diminuição dos hormônios produzidos. A pesquisa de anti-TPO consiste no teste mais sensível para detectar tireoidopatia auto-imune, sendo positiva em cerca de 95% dos casos. Pode ser solicitada, ainda, pesquisa de anticorpo anti- tireoglobulina, que também é um marcador de tireoidopatia auto-imune, porém, menos sensível que o anti-TPO.

4)    Você dosaria Anti-TPO? Como espera encontrá-lo?
Sim, justamente para confirmar a principal suspeita que é a tireoidite auto-imune ou de Hashimoto. Esperaria encontrá-la aumentada.

5)    Na palpação da tireóide observou-se tireóide difusamente aumentada, fibroelástica, sem nódulos detectáveis à palpação. Você faria uma cintilografia da tireóide? E um ultra-som? Justifique.
Acredito que a o ultra-som da tireóide não seja necessária, pois o bócio pode estar presente em pacientes com hipotireoidismo e não há presença de nódulos suspeitos no exame físico. A cintilografia deve ser feita quando há sinais e sintomas de tireotoxicose, para diagnóstico diferencial, o que não é o caso.

6)    Como você explica o aumento da creatinofosfoquinase?
A creatinofosfoquinase é uma proteína que, quando em níveis elevados, indica lesão muscular. O hipotireoidismo pode causar astenia e adinamia, além da diminuição da ingesta calórica e diminuição do turn-over de proteínas, que, conjuntamente, podem causar o aumento da CPK no sangue.

7)    Como você o orientará sobre a dislipidemia? E a hipertensão? E a depressão?
Essas três alterações podem estar sendo causadas pelo próprio hipotireoidismo (a dislipidemia devido à diminuição do clearence de LDL e diminuição da lipólise; a hipertensão pelo aumento da resistência vascular periférica; e no caso da depressão, os sinais e sintomas podem ser os mesmos do hipotireoidismo em si). Entretanto, apesar de serem secundárias, também apresentem consequências importantes, como o aumento da aterogênese e do risco cardiovascular, sendo interessante orientar o paciente a instituir mudanças do estilo de vida e outras formas de tratamento não farmacológico. Como os sintomas podem ser decorrentes da disfunção tireoidiana, é interessante suspender a fluoxetina e tratar o hipotireoidismo primeiro, acompanhando o paciente com lipidogramas, medidas da pressão arterial e observação dos sintomas neurológicos para ver se são somente devido ao hipotireoidismo ou se existe alguma outra afecção associada que deve ser tratada.

8)    Faça uma prescrição de T4 (levotiroxina), utilizando o nome comercial, a dose, e ensinando detalhadamente como utilizar. Escreva na prescrição a duração do tratamento, os cuidados que deve ter com o medicamento e a forma de ingeri-lo, assim como a data do primeiro retorno.
Uso oral
1) Puran T4 50mcg ----------------------------- 30cp.
Tomar 01 cp pela manhã (em jejum, uma hora antes do café da manhã), por 30 dias.
Retorno em 4 semanas para dosagem de TSH e T4 livre e avaliação do tratamento. Está recomendada um aumento da dose de 25mcg/mês até um dose alvo de 100mcg. O puran T4 deve ser tomado com pelo menos 4 horas de diferença de outros medicamentos e/ou vitaminas.

P.S. Não sei se fazemos o acompanhamento com TSH e T4 livre somente após 4 semanas de tratamento com a dose de 100mcg/dia, ou se esse acompanhamento deve ser feito antes do aumento da dose a cada mês. Ficaria meio receosa de aumentar a dose sem avaliar o paciente antes, apesar de ter lido que o retorno poderia ser marcado somente após 4 a 6 semanas do uso da dose de 100mcg/dia. Outra coisa é que, assim como a Maria Gabriela, fiquei na dúvida se não iniciava o tratamento com um dose menor (por exemplo de 25mcg), uma vez que o paciente não é idoso mas apresenta-se no limite da idade (59 anos).

9)    Por que você não utilizou T3 (tri-iodotironina) para o tratamento deste paciente?
No homem, o T4 é deiodinado a T3 em tecidos extra-tireoidianos, de modo que o T4 é o agente terapêutico que melhor simula a fisiologia tireodiana normal, provendo ao organismo ambos os hormônios, ao contrário da terapia isolada com T3. Desta forma, o tratamento de pacientes portadores de hipotireoidismo com T4 isoladamente resulta em níveis séricos diários relativamente constantes de T4 e T3, como ocorre com o indivíduo normal. Há ainda várias outras razões  para se administrar T4 ao invés do T3. A ingestão de T3 ou compostos contendo T4 e T3, é associada com picos pós-absortivos de T3, levando a palpitações. Além disso, a concentração sérica de triiodotironina após administração de T4, formada no tecido extra-tireoidiano a partir da tiroxina ingerida, é controlada fisiologicamente, o que pode trazer benefícios durante doenças e jejum, quando a produção extratireoidiana de triiodotironina é usualmente diminuída e as concentrações séricas são baixas. Há, ainda, que se considerar que a retroalimentação negativa sobre a hipófise é feita não só pelo T3, mas também pelo T4. Além disso, existem desvantagens farmacocinéticas na terapia com T3 (possui menor meia-vida e apresenta picos de absorção mais acentuados).

Você inicia o tratamento com levotiroxina, na dose de 50 mcg/dia. Entretanto, o paciente só retorna quatro meses após, com os primeiros controles, que mostram TSH 11,4 mU/L, T4 livre 1,7 ng/dl e anti-TPO de 1200.

10)  Como você interpreta estes exames? Porquê o TSH continua alto e o T4 livre está normal?
Acredito que a adesão ao tratamento está baixa, e um TSH aumentado com T4 livre nos limites superiores da normalidade (como é o caso) são típicos desta situação. Outra explicação que poderia ser dada é que a dose do medicamento ainda está baixa, uma vez que TSH aumentado com T4 livre dentro dos limites da normalidade pode ser indicativo de hipotireoidismo subclínico.
P.S. Qual das duas explicações é a mais provável? É comum o hipotireoidismo evoluir com hipotireoidismo subclínico em pacientes com doses inadequadas de medicamentos? Eu pensaria que se a dose fosse inadequada haveria também uma diminuição do T4 livre, mas, pensando bem, talvez a dosagem baixa do medicamento seja mais provável. Isto porque a necessidade de T4 no organismo é de cerca de 100mcg/dia, o que implicaria numa dosagem mínima de manutenção de 100 a 125mcg/dia. Como o paciente só está tomando 50mcg, acho que a dose incorreta da medicação esteja causando um hipotireoidismo subclínico.

11)  Como você procederá agora? Com que intervalo irá rever o paciente?
Primeiramente eu reforçaria a importância do tratamento e explicaria ao paciente as possíveis consequências da não adesão. Investigaria qual a probabilidade da não adesão. Caso achasse que o paciente realmente estava tomando sua medicação nas doses e horários corretos, aumentaria a dose para 75mcg e posteriormente para 100mcg/dia, com reavaliação do paciente mensalmente. Caso achasse que houve falha no tratamento por falta de adesão, manteria a dose atual, com novo retorno em um mês.

12) Que efeitos adversos podem ocorrer com o tratamento?
Um efeito adverso importante com o tratamento com levotiroxina sódica é o desenvolvimento de hipertireoidismo decorrente da sobredose. Assim, podem ocorrer taquicardia, palpitações, arritmias cardíacas, dor anginosa, cefaléia, nervosismo, excitabilidade, insônia, tremores, fraqueza muscular, cãibras, intolerância ao calor, sudorese, fogachos, febre, perda de peso, irregularidades menstruais, diarréia e vômito. Esses efeitos podem ser identificados através de níveis suprimidos de TSH, que por sua vez está associado a um risco maior de fibrilação atrial em idosos. Um efeito adverso incomum é a alergia (rashs e urticária) ao corante do comprimidos.

13)  Se o Sr Josefino tivesse 80 anos, sua conduta seria diferente? Por quê? Faça a prescrição para um senhor de 80 anos.
Sim. O tratamento em idosos deve ser instituído de forma muito gradual de modo a prevenir um aumento metabólico muito súbito que pode não ser bem tolerado. Assim, a dosagem inicial do medicamento seria menor e o aumento da dosagem também deveria ser feito de forma mais gradual.
Uso oral:
1) Puran T4 25mcg --------------------------------- 30 cp/mês.
Tomar um cp antes do café da manhã (em jejum, uma hora antes do café da manhã), uso contínuo.
O retorno deverá ser marcado em 4-6 semanas para reavaliação da dose.

14)  Qual o intervalo necessário para acompanhar o sr Josefino. Faça um planejamento de retornos.
O paciente deve retornar mensalmente ou a cada 6 semanas para avaliar a necessidade de ajuste da dosagem do medicamento, até que se alcance níveis normais de TSH. Uma vez que sejam alcançados níveis normais de TSH, o acompanhamento do paciente deve ser anual, com exame clínico detalhado e dosagem de TSH e T4 livre. Caso o paciente inicie o tratamento com algum outro medicamento que altera o metabolismo do T4, (colestiraminas, sulfato ferroso, cálcio, alguns antiácidos que contêm hidróxido de alumínio, alguns anticonvulsivantes, rifampicina e sertralina), níveis séricos de TSH devem ser dosados em 4-6 semanas após o início desses medicamentos para garantir a dose adequada de tiroxina. Caso seja necessário, a dose poderá ser ajustada até que os níveis de TSH voltem para dentro dos valores de referência.

CASO CLÍNICO - SR. ATHEROS MAGNUS

O Sr. Atheros Magnus, 46 anos, é seu paciente há mais de um ano. Neste período vocês já tentaram diversas alternativas não farmacológicas para que ele conseguisse melhorar o perfil lipídico, mas nada deu certo. Ele segue rigorosamente a dieta com baixo teor de gordura saturada e colesterol, e ingere frutas, verduras e legumes. Ele não fuma e consome álcool com moderação. Pratica atividade física regularmente e vem mantendo um peso saudável (IMC=22). Ele não tem hipertensão, diabetes ou difunção função renal e hepática. As dosagens do colesterol LDL em geral estão por volta de 190 mg/dL, do colesterol HDL por volta de 40 mg/dL, e dos triglicérides por volta de 180 mg/dL.
Ele iniciou com dor precordial e evoluiu para infarto agudo do miocárdio. Após este evento, foi-lhe solicitado TSH=25,6 e T4 livre=0,6. A palpação da tireóide revelou glândula discretamente aumentada, fibroelástica, sem nódulos.

15) Comente o diagnóstico de hipotireoidismo e a possibilidade de ele já ser portador do hipotireoidismo há longa data.
É bem provável que o paciente já seja portador de hipotireoidismo há longa data, uma vez que os níveis de colesterol estavam persistentemente aumentados apesar de medidas não farmacológicas efetivas. O hipotireoidismo está relacionado a aumento dos níveis lipídicos devido à diminuição do clearence de LDL e redução da lipólise, acúmulo de gordura e redução do metabolismo. Assim, é recomendada a pesquisa de disfunção tireoidiana em qualquer paciente com dislipidemia. Caso esse screening tivesse sido feito, provavelmente o paciente teria sido tratado precocemente e não teria evoluído para um IAM. Além disso, independente dos níveis de TSH e T4 livre, a terapia farmacológica para dislipidemia deveria ter sido iniciada, uma vez que a dislipidemia é um importante fator de risco para eventos cardiovasculares independentemente de ser primária ou secundária.

16) Faça uma prescrição de (levotiroxina) incluindo o nome comercial, dose, orientações para uso e data do retorno. Como serão os aumentos de dose? Lembre-se da doença coronariana. Releia as implicações deste diagnóstico no tratamento do hipotireoidismo.
Uso oral:
1) Puran T4 25mcg ----------------------------- 30cp/mês.
Tomar 01 cp pela manhã (em jejum, uma hora antes do café da manhã), uso contínuo.
O retorno deverá ser marcado em 4-6 semanas para avaliar a necessidade de ajuste da dose. A dosagem do medicamento deverá ser aumentada em doses de 12,5 a 25mcg, sempre com uma avaliação cuidadosa tanto dos sintomas do hipotireoidismo quanto da doença cardiovascular.

Fim do Estudo Dirigido.



[1] Anelise Impelizieri Nogueira. Hormônios tireoidianos.
[2]Sociedade Brasileira de Endocrinologia. Hipotireoidismo: Projeto Diretrizes, 2005.
[3] DevdharM, Ousman YH, Burman KD, Hypothyroidism. Endocrinol Metab Clin N Am 36 (2007) 595–615
[4] Sociedade Brasileira de Endocrinologia. Tireóide, Doenças da: Utilização dos Testes Diagnósticos, 2004

domingo, 5 de junho de 2011

Estudo Dirigido -Hipertireoidismo


Caso Clínico: Sra Maria de Lourdes
A Sra. Maria de Lourdes de Souza, 36 anos, procura ajuda médica porque está muito nervosa e emagreceu muito nos últimos 3 meses.
Ela sempre se considerou muito nervosa, mas desde a morte da mãe, se tornou ainda mais ansiosa, chora facilmente, está inquieta e apreensiva e se sente trêmula. Ela sente calor o tempo todo, e apesar de inverno mais rigoroso este ano, não usou nenhuma “blusinha de manga”. Seu apetite está bom e até um pouco exagerado, mas mesmo assim, perdendo peso (7 Kg em 3 meses). Está se cansando facilmente e sente palpitações com freqüência. Suas menstruações tornaram-se escassas e cessaram completamente há 2 meses. Ela nega poliúria ou polidipsia, não apresenta febre ou quadro respiratório. Suas fezes estão mais pastosas e ela passou a evacuar 3 a 4 vezes ao dia. Ela se sente deprimida, pois não consegue fazer suas tarefas do trabalho por se sentir confusa e agitada. Não tem dormido normalmente e passa a noite com medo de ter cardiopatia como a mãe.
Diz que a mãe morreu por insuficiência cardíaca, mas “operou a tireóide” quando nova.


1)    Interprete os dados acima e tire conclusões sobre o diagnóstico, através da anamnese descrita acima.
O quadro clínico da paciente pode deixar algumas dúvidas. As queixas de nervosismo, ansiedade, depressão, e até mesmo a perda de peso podem sugerir um quadro psiquiátrico, principalmente porque a paciente relata que os sintomas desenvolveram após a morte da mãe. A perda de peso apesar do aumento do apetite também podem sugerir uma malignidade. Entretanto, é preciso estar atento a outros sintomas que, conjuntamente com esses já descritos, sugerem uma hiperreatividade simpática e catabólica, como a palpitação, tremores e intolerância ao calor. Logo, o quadro clínico como um todo sugere um hipertireoidismo. As alterações menstruais citadas também são uma queixa comum, além das fezes pastosas e aumento da frequência de evacuação, indicando aumento das contrações do intestino delgado; a história familiar de doença da tireóide corrobora a hipótese de uma causa tireoidiana para os sintomas, além de sugerir um hipertireoidismo familial (Doença de Graves).

O exame físico revelou uma mulher magra, apreensiva e muito nervosa. As mãos estão quentes e úmidas, a pele muito fina e aveludada. Percebe-se um tremor fino nas mãos.  A temperatura é de 37°C, pulso de 120, freqüência cardíaca de 120 bpm, PA de 150x60 mmHg. Seus olhos são proeminentes e visualiza-se a esclera entre a pálpebra superior e a córnea. O retardo do movimento palpebral encontra-se presente.
A tireóide encontra-se difusa e moderadamente aumentada, sem nódulos palpáveis. Há frêmito em toda a extensão da tireóide, percebido pela palpação leve da mesma. As bulhas estão arrítmicas.

2)    Quais achados do exame clínico corroboram sua hipótese diagnóstica?
O aumento da freqüência cardíaca, a hipertensão sistólica, a retração palpebral (“visualiza-se a esclera entre a pálpebra superior e a córnea”) e o tremor fino nas mãeos sugerem aumento da atividade simpática, o que corrobora a minha hipótese. Chama a atenção também a pele quente, úmida, aveludada e fina; e o aumento da tireóide sem nódulos palpáveis (indicativo de Doença de Graves) com frêmito (indica tireotoxicose); e a exoftalmia (cujas características não são típicas de doença de Graves, mas de tireoidopatia por qualquer causa). As bulhas arrítmicas podem sugerir uma arritmia supraventricular, sendo relativamente comuns nesses pacientes a fibrilação atrial ou flutter (apesar de serem mais comuns em pessoas mais velhas).

A dosagem de T4 livre é de 3,5 ng/dl (VN 0,8 a 2,0), o TSH está suprimido (é < 0,01 mU/ml), o colesterol total é de 98 mg/dl. O ECG revelou arritmia, sem ondas p detectáveis e grande variabilidade R-R.

3)    Explique os dados encontrados.
O hipertireoidismo é explicado pelo aumento dos hormônios tireoidianos na sua forma livre, que serão responsáveis pelo aumento do catabolismo e da atividade simpática, que determinarão, por sua vez, os sintomas do paciente. O aumento do T4 livre causa inibição da hipófise que diminui a liberação de TSH, assim como estimula o hipotálamo a secretar somatostatina, um hormônio que também inibe a liberação do TSH. Logo, o TSH fica suprimido no sangue. A diminuição do colesterol total é explicado pelos efeitos catabólicos dos hormônios tireoidianos que estimulam a lipólise. O ECG, com arritmia sem ondas P e grande variabilidade do intervalo R-R sugere fibrilação atrial, uma arritmia relativamente frequente em pessoas com hipertireoidismo.

4)    Você consideraria solicitar outros exames?
Acredito que o diagnóstico laboratorial e clínico de hipertireoidismo é o suficiente para iniciarmos o tratamento. Apesar de a oftalmopatia da paciente não ser exatamente típica de doença de Graves, a epidemiologia e a história familiar sugerem fortemente esta hipótese, logo acho que poderíamos fazer o diagnóstico somente com esses dados.
p.s. Uma vez que o tratamento do hipertireoidismo varia de acordo com a etiologia da doença, é preciso fazer diagnóstico laboratorial de doença de Graves, ou fazer um teste de captação do iodo para tentar estabelecer a etiologia do hipertireoidismo mesmo com fatores na história clínica que sugerem esse diagnóstico? Caso não houvesse nenhum indicativo etiológico na história, estaria indicado um teste de captação do iodo? Ele ainda é usado?

5)    Faça a prescrição completa para o início do tratamento, incluindo o horário e doses (não se esquecendo de tratar a arritmia). Identifique os dois tipos de antitireoidianos disponíveis no mercado brasileiro e selecione aquele que julgar mais adequado para esta paciente, justificando sua decisão.

Uso Oral
1 – Metimazol 10mg ________________ 90cp/mês
Tomar 3 cp pela manhã, uso contínuo.
2 – Propranolol 10mg _______________ 90cp/mês
Tomar um cp de 6/6 horas, por 2 meses.

      O paciente deve ser acompanhado a cada 4-6 semanas. O objetivo do tratamento é tornar o pcnt eurtireóideo em 4-8 semanas. Quando esse objetivo for alcançado, a dose do metimazol pode ser reduzido progressivamente para um dose de manutenção de 10-15mg/dia. O propranolol também deve ser usado no início do tratamento para controlar os sintomas de hiperreatividade simpática, e após cerca de 2 meses pode ser reduzido gradativamente (sob o risco de um hipertireoidismo reflexo na retirada abrupta).
      Existem dois tipos de medicamentos antitireoidianos disponíveis no Brasil: o metimazol e o propiltiouracil. Optei pelo metimazol pela menor incidência de efeitos colaterais em baixas doses, pela facilidade de posologia, custo mais baixo e efeitos hematológicos menos comuns. Observação: para um paciente do SUS o medicamento mais adequado seria o propiltiouracil, pois é o único fornecido.

p.s. Quais são os benefícios de utilizar T4 junto com o metimazol? Ele é usado na prática clínica diária? Se ele mantém os níveis de TSH suprimidos, como faço o acompanhamento da doença?
A taxa de remissão da doença é relativamente baixa, cerca de 20-30%. Após quanto tempo de tto medicamentoso posso retirar o medicamento? E se houver recidiva, posso retornar com o medicamento ou estaria indicado outro tratamento, como iodoterapia??

6)    Se a Sra. Maria de Lourdes estivesse grávida, você mudaria sua conduta terapêutica? Justifique.
Sim. O propiltiouracil atravessa menos a barreira placentária e está mais indicado para pacientes grávidas devido à menor incidência de efeitos colaterais no feto.

7)    No site consultaremedios.com confira o preço do tratamento mensal com a droga que você prescreveu.
A caixa com 50 comprimidos de 10 mg custa R$ 22,00. Assim, no início do tratamento, a paciente irá gastar aproximadamente R$ 40,00. Já o tratamento de manutenção custará entre R$ 15,00 e R$ 30,00 dependendo da dose usada (fonte: Blackbook).

8)    Qual é a meta (níveis de TSH e T4 livre) a atingir com o tratamento? Você acha que ela vai alcançar a meta com este medicamento?
A meta é deixar o paciente eutireóideo, ou seja, com níveis de TSH dentro dos valores de referência (0,3 a 5,0 µUI/ml). Acredito que a meta será alcançada com este medicamento.

9)    Que tipo de efeitos adversos você deverá monitorizar? De que forma?
A agranulocitose é o efeito adverso mais grave e importante. Deve-se monitorar o leucograma desses pacientes a cada duas semanas no início do tratamento, e depois mensalmente, para detecção mais precoce caso ocorra a agranulocitose. O paciente também deve ser orientado a procurar o médico imediatamente caso apresente sintomas de leucopenia, como febre, dor de garganta, úlceras orais, etc. Efeitos adversos menores, como sintomas gastrointestinais e urticária podem ser tratados sintomaticamente sem descontinuação do medicamento (exceto em casos de artralgia, que pode ser indicativo de uma poliartrite mais séria). Outros efeitos adversos ainda incluem hepatite medicamentosa (mais com o PTU), colestase (mais com o MMI), anemia aplástica, hipoglicemia, redução do paladar e vasculite. Monitorar com exame cínico, enzimas hepáticas, glicemia de jejum e hemograma.


Apos o início do uso da medicação prescrita a Sra Maria de Lourdes sentiu-se melhor, sem as palpitações relatadas previamente, porém iniciou quadro de febre alta (40° C) e intensa dor na garganta.
Procurou o Pronto-Atendimento sendo então prescrita amoxicilina sem melhora do quadro, pois ela encontra-se muito abatida e desanimada, com febre persistente.

10)  Você pensaria em alguma outra causa para este quadro descrito acima? Qual seria a conduta adequada a ser tomada agora? E quando a paciente procurou o PA? Discuta sua conduta e descreva os achados prováveis do hemograma.
Agranulocitose deve ser investigada imediatamente com a realização de um leucograma (que provavelmente mostrará leucopenia importante), e a medicação antitireoidiana deve ser suspensa. Deve-se realizar leucogramas seriados para acompanhar a evolução do quadro e, caso a contagem de leucócitos fique abaixo de 500 em algum momento a paciente deve ser internada e tratada como neutropênica febril. O quadro da paciente realmente se assemelha bastante ao de uma faringoamigdalite bacteriana; portanto, vemos que é extremamente importante, no PA, perguntar à paciente se ela está usando algum medicamento, pois a agranulocitose é grave, potencialmente fatal, e não pode passar por uma simples infecção bacteriana de garganta.

11)  Houve melhora da febre e do quadro descrito acima após a suspensão da medicação em uso para o tratamento do hipertireoidismo. Como dar seguimento ao tratamento da paciente? Que outras modalidades de tratamento estão disponíveis? Discuta, para as outras modalidades de tratamento, o quadro abaixo:
Acredito que os antitireoidianos estão contraindicados pois a paciente já apresentou efeito adverso grave com o uso desta medicação. Assim, há duas outras alternativas terapêuticas: o radioiodo e a tireoidectomia.



Custo
Indicação
Contra-indicações
Efeitos colaterais
Eventos em longo prazo
Tionamidas (longo prazo)
R$ 30,00/mês (baixo custo)



TTO a longo prazo da doença de Graves. PTU é preferível em pcnts grávidas e com do- ença grave, crianças e pacien- tes que recusam o radioiodo. Tb utilizado para controle tireoidiano em pacientes idosos e cardíacos antes do tto com radioiodo ou tireoidectomia.
Hipersensibilidade ou pcnts que apresentarem efeitos adversos ao medicamento.
Exantema, agranulocito-se, rash, artralgias, fe-bre, sintomas gastroin-testinais.
Risco de abandono do tto. Baixa taxa de remissão (20-30%)
Radioiodo




Tratamento definitivo do hipertireoidismo.
Gravidez
Induz ao hipotireoidismo, 1% de incidência de tireoidite por radiação.



Resolução permanente do hipertireoidismo, hipotireoidismo permanente.
Tireoidectomia
Alto custo


Tratamento de escolha para grávidas, crianças que apresentaram efeitos adversoscom antitireoidianos, nódulos tóxicos em menores de 40 anos, bócios difusos com sintomas compressivos, pacientes que recusam o tto com radioiodo ou apresentaram falha no tto com antitireoidianos, pacientes com doença grave que não toleram recorrência.
Pcnts com alto risco cirúrgico.
Hipotireoidismo permanente, risco de paratireoidectomia e lesão do nervo laríngeo recorrente.
Resolução permanente do hipertireoidismo, hipotireoidismo permanente.

2 Caso Clínico: Sra Ana Maria de Souza

A sra Ana Maria de Souza, 36 anos, o procura com história de hipertireoidismo diagnosticado há vários anos, em uso de metimazole na dose de 20 mg/dia há pelo menos 2 anos. Na ocasião ela se queixava de palpitações intensas durante pequenas atividades, tremores e perda acentuada de peso. Além do medicamento descrito, encontra-se em uso de propranolol 40 mg BID. Refere-se sentir-se melhor e deseja interromper o uso da medicação descrita. Você a examina e a percebe muito calma, com Fc=P=60bpm, PA=120x80 mmHg, sem tremores, com relato de ter aumentado muito de peso, hoje 15 Kg acima do peso ao diagnóstico.

12) Interprete os dados acima e tire conclusões sobre a forma de condução do caso, do ponto de vista da terapêutica.
Após cerca de um ano com o paciente em estado eutireóideo, pode-se tentar suspender a medicação gradativamente para observar se a paciente permanece em remissão. Nesse caso, estaria indicada uma revisão laboratorial da tireóide (TSH e T4 livre). A dosagem do propranolol também pode ser reduzida gradativamente. Obs: um dos textos também recomenda a dosagem de TRAB, sendo que recomenda a interrupção to tratamento apensa se os níveis deste forem indetectáveis. Isso é usado na prática clínica?

13)  O TSH foi de 12,3 e o T4 livre de 0,70. Diante destes resultados, qual a sua conduta? Como reduzir o propranolol? E o metimazol?
Os exames da paciente indicam, inclusive, um certo grau de hipotireoidismo, com aumento do TSH e diminuição leve do T4 livre. Assim, a dose dos medicamentos podem ser reduzidas. Reduziria o propranolol para uma dose inicial de 20mg BID, após duas semanas para 10mg BID, após duas semanas para 5mg BID e depois de duas semanas suspenderia a medicação. O metimazol também pode ser reduzido de forma semelhante, a cada duas semanas.
p.s. Esse esquema está bom? Posso reduzir a dose para metade a cada duas semanas?

14)  Como você sugere acompanhá-la?
A paciente deve ser monitorada clínica e laboratorialmente a cada três anos no primeiro ano após a interrupção do medicamento, pois a incidência de recidiva é maior nessa época. Após um ano, pode-se acompanhar a paciente anualmente, pois até 10% dos pacientes têm recidivas tardias. Outros autores recomendam a dosagem de TSH e T4 livre a cada 4-6 semanas nos primeiros seis meses, depois semestralmente e depois a cada ano.

15)  Quando indicaria outro tipo de tratamento?
Caso houvesse recidiva da doença, outro tratamento, como o radioiodo ou a tireoidectomia estará indicada.

3 Caso Clínico: Sr. Josenildo da Costa
O Sr. Josenildo da Costa, 70 anos, é portador de miocardiopatia congestiva. Utiliza espironolactona 50 mg MID, captopril 25 mg TID, furosemida 40 mg BID, sinvastatina 20 mg MID e ácido acetil salicílico 100 mg MID. Vem apresentando há dois meses desânimo, sonolência e hiporexia. Relata piora da dispnéia há cerca de 30 dias apesar da utilização regular dos medicamentos. Há 15 anos tem bócio volumoso, diagnosticado como bócio multinodular.
Ao exame apresentava-se abatido, desanimado, corado, hidratado, afebril, com edema pré-tibial (++/4+). A pele era macia e quente e apresentava tremores finos nas mãos. A tireóide era visível, irregular, com o dobro do volume habitual, nodular, indolor. E de consistência fibroelástica. Havia crepitações teleinspiratórias nas bases pulmonares; PA=150x90mmHg em decúbito e ortostatismo; FR=20irpm, FC=120bpm, FP=100bpm. Bulhas taquicárdicas, arrítmicas, com B3.

16)  Qual o diagnóstico provável? Como deverá ser o tratamento?
Provavelmente deve ser um quadro de hipertireoidismo apático, um tipo de hipertireoidismo que ocorre em idosos e que se manifesta por fácies apática, depressão, letargia e hiporexia. A terapia com radioiodo é muito eficiente no bócio multinodular, pois a maioria dos pacientes não desenvolvem hipotireoidismo e permanecem eutireóideos (o iodo radioativo se acumula preferencialmente nos nódulos hiperfuncionantes). Entretanto, como trata-se de um paciente idoso e cardiopata, devemos instituir o tratamento medicamentoso com antitireoidiano antes da administração de iodo radioativo. Nestes casos a dose terapêutica deve ser administrada antes da normalização do TSH, com o objetivo de impedir o acúmulo de iodo radioativo no tecido paranodular diminuindo, conseqüentemente, a probabilidade do paciente desenvolver hipotireoidismo.
                
17)  Como você classificaria e trataria a taquiarritmia neste caso?
A taquiarritmia provavelmente é uma fibrilação atrial. Nesse caso, em se tratando de uma FA crônica, deve-se apenas anticoagular o paciente. O tratmento antiarrítmico com amiodarona não deve ser feito pois esse medicamento pode induzir ao hipertireoidismo.

18)  Faça a prescrição inicial em relação à tireoideopatia detectada.
Uso Oral:
1) Metimazol 10mg _________________ 120 cp.
Tomar 02 cp pela manhã, uso contínuo.
Obs. Esse medicamento deve ser utilizado por cerca de 6 semana, antes do tratamento definitivo com radioiodo.

19)  Discuta para este paciente o uso de beta-bloqueador e digoxina.
O uso de beta-bloqueadores é terapia recomendada para reverter os sintomas em pacientes com hipertireoidismo. No entanto, essa classe de medicamento apresenta como efeitos colaterais distúrbios de condução átrio-ventricular, broncoespasmo e depressão psíquica, efeitos que causariam piora do quadro de saúde do Sr. Josenildo, uma vez que ele já apresenta letargia, desânimo, etc (hipertireoidismo apático).
A digoxina seria um medicamento útil para o tratamento da IC, assim como para controlar a freqüência cardíaca na fibrilação atrial. No entanto é contra-indicado em casos de taquicardia ventricular, e além disso a dose terapêutica é muito próxima da dose tóxica.

20)  Em longo prazo, como será a abordagem terapêutica para este paciente?
Deve-se iniciar o tratamento com antitireoidianos e, posteriormente, realizar tratatamento do radioiodo, que apresenta resultados excelentes no bócio multinodular.

Fim do estudo dirigido.


[1] Orsine Valente , Angélica Marques Martins , Fernando Valente , Álvaro N. Atallah  Hipertireoidismo. Revista Brasileira de Medicina. Edição: Nov 01 v58 n11
[2] Reid JR. Hyperthyroidism: diagnosis and treatment. - Am Fam Physician - 2005; 72(4): 623-30
[3] James W. Little. Medical Management Update: Thyroid Disorders. Part I: Hyperthyroidism. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod 2006;101:276-284
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