terça-feira, 31 de maio de 2011

Wiki - Diabetes mellitus

A importância de abordar o risco cardiovascular global de um paciente

O caso do Sr. Adauto ilustra a importância de se avaliar de modo global o risco cardiovascular de um paciente. O paciente apresenta problemas clínicos – a maioria deles assintomáticos – que, somados, elevam sobremaneira o risco de doenças circulatórias. O tratamento de apenas um fator, como o diabetes, trará benefício limitado.

Se considerarmos que o primeiro passo antes do tratamento é o diagnóstico, e que o diabetes mellitus tipo 2 pode ser assintomático por longos períodos, é necessário definir: quem e quando rastrear, e quais são os critérios para o diagnóstico.

Atualmente, de acordo com as recomendações da ADA de 2011, deve-se pesquisar diabetes mellitus tipo 2 em adultos com sobrepeso ou obesos e com um ou mais fatores de risco para a doença (tais como: sedentarismo, história familiar positiva para parentes de primeiro grau, hipertensão arterial, mulheres com história de fetos macrossômicos ou diabetes gestacional, mulheres com síndrome de ovários policísticos, HDL menor que 35 mg/dl ou triglicérides maior que 250 mg/dl, alteração em exames anteriores de glicemia de jejum, teste oral de tolerância à glicose (TOTG) ou hemoglobina A1C, história pregressa de doença cardiovascular, presença de acantose nigricans) e em adultos maiores de 45 anos mesmo na ausência de fatores de risco. Na presença de exames normais, repetir o rastreamento, pelo menos, a cada 3 anos.
Mas como rastrear e fazer esse diagnóstico? Ainda de acordo com as recomendações mais atuais da ADA, o rastreamento pode ser feito com glicemia de jejum (GJ), TOTG ou hemoglobina A1C; e os valores para diagnóstico são: hbA1C maior ou igual a 6,5%, GJ maior ou igual a 126 mg/dl ou TOTG maior ou igual a 200 mg/dl, lembrando que esses resultados devem ser confirmados com novo teste, para diagnóstico são necessários no mínimo dois valores como esses realizados em dias diferentes (com excessão para a HbA1c: apenas um valor acima de 6,5% já firma o diagnóstico, independente de outra medida da glicemia por qualquer outro método). Além disso, na presença de sintomas (poliúria, polifagia, polidpsia ou perda não explicada do peso) um valor de glicemia a qualquer momento, maior ou igual a 200 mg/dl define o diagnóstico.

Até pouco tempo atrás, a dosagem de glicohemoglobina não estava dentre os critérios diagnósticos para diabetes. E a adoção desse parâmetro foi de grande importância, uma vez que a HbA1c é um marcador de hiperglicemia crônica, refletindo os níveis glicêmicos dos últimos 2 a 3 meses prévios. Além disso, os níveis de glicohemoglobina correlacionam-se tanto com complicações microvasculares quanto, porém em menor extensão, com complicações macrovasculares. Na verdade, a sua dosagem já era amplamente utilizada no monitoramento do tratamento de diabetes, por exemplo, para reajuste de dose de hipoglicemiantes orais, ou até mesmo de insulina.

Ainda é importante lembrar que o rastreamento e o diagnóstico precoce são extremamente importantes, uma vez que, como o diabetes mellitus tipo 2 pode ser assintomático por longos períodos, muitas alterações podem ocorrer sem que o paciente procure um médico. Por exemplo, pode ser que um paciente permaneça com a doença, sem diagnóstico- e portanto sem tratamento-, por cerca de 5 anos, levando ao aparecimento de retinopatia diabética. Assim, uma avaliação oftalmológica poderia levar a uma suspeita diagnóstica, sendo que essa repercussão poderia ser prevenida se o diagnóstico tivesse sido precoce. E ainda, muitos diagnósticos são realmente feitos tardiamente, com o paciente já apresentando repercussões, não apenas retinopatia diabética, como também acometimento renal e até mesmo neuropatia, por exemplo.
Uma vez firmado o diagnóstico de DM II, deve-se pesquisar a presença de complicações crônicas da doença, já que o diagnóstico é realizado, em geral, tardiamente. Habitualmente estas se tornam evidentes na segunda década de hiperglicemia. Devem ser investigadas: complicações microvasculares (retinopatia, edema macular, neuropatia, nefropatia), macrovasculares (doença arterial coronariana, arterial periférica e vascular cerebral), e outras (gastroparesia, diarréia, uropatia, disfunção sexual, catarata, glaucoma, doença periodontal, complicações dermatológicas e infecciosas). É essencial verificar as comorbidades do paciente e hábitos de vida prejudiciais, como tabagismo. Assim, além de pesquisar na história clínica do paciente os fatores de risco para doenças cardiovasculares citados acima, devemos sempre realizar, na primeira consulta e periodicamente, nas avaliações subsequentes, os seguintes exames: aferição da pressão arterial (inclusive após 2 minutos de ortostatismo), uréia e creatinina, colesterol total e frações, triglicérides, microalbuminúria (dosagem da relação albumina/creatinina em amostra urinária matinal única ou proteinúria de 24h), ionograma, ácido úrico, glicemia de jejum e glicohemoglobina, eletrocardiograma, teste de esforço, exame de fundo de olho e exame físico cuidadoso do aparelho cardiovascular e dos pés (incluindo pesquisa de sensibilidade e palpação de pulsos periféricos). Esses exames, além de estabelecer se existe qualquer grau de comprometimo de órgão alvo, também têm a função de estratificar o paciente de acordo com seu risco cardiovascular global.

Ainda no que se refere especificamente às complicações macrovasculares, é sabido que mais importante do que o controle glicêmico isoladamente, é a abordagem global dos outros fatores de risco cardiovascular modificáveis, a saber: a hipertensão arterial, o tabagismo, a dislipidemia, o sedentarismo, a obesidade e a microalbuminúria.

Nesse sentido, é fundamental o controle pressórico rigoroso (PA alvo menor ou igual a 130/80 mmHg), a adesão à prática regular de exercícios físicos aeróbicos de intensidade moderada (pelo menos 150 minutos por semana), e à dieta. Apenas relembrando em relação à terapia farmacológica da HAS, os IECA e os antagonistas da angiotensina II são as drogas preferidas no caso do DM2, pelos resultados contundentes de estudos com estas drogas em pacientes de alto risco para eventos macrovasculares. Quando necessário, uma segunda droga deve ser associada, como um tiazídico em baixa dose ou um antagonista do cálcio.
Sabe-se que os diabéticos do tipo 2 sem Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) prévio tem o mesmo risco de sofrer um IAM que pacientes não diabéticos que tiveram um IAM prévio. Assim, visando a prevenção de eventos cardiovasculares, recomenda-se para diabéticos de elevado risco cardiovascular (como é o caso do Sr. Adauto) que não tenha contraindicações, terapia com anti-agragante plaquetário (ácido acetilsalicílico, 100 mg, 1 comprimido após o almoço) e com estatinas. Nos casos de intolerância ao AAS, está indicado o clopidogrel 75mg/dia.

Atenção especial deve ser dada à dislipedemia do Sr. Adauto. Pacientes com diabetes tipo 2 possuem duas a quatro vezes mais risco para doenças cardiovasculares quando comparados a não-diabéticos. A doença aterosclerótica, compreendendo doença arterial coronariana, doença vascular periférica e doença cerebrovascular, é responsável por três a cada quatro mortes entre pessoas diabéticas tipo 2. As doenças cardiovasculares são responsáveis por 75% das mortes de indivíduos com DM2. Esse pacientes são frequentemente portadores de uma série de fatores de risco para doenças aterotrombóticas, entre os quais a dislipidemia provavelmente exerce o fator mais importante.

O perfil lipídico mais comum é hipertrigliceridemia associada a HDL baixo, como no caso do paciente do estudo dirigido. O objetivo para controle do LDL é: LDL-colesterol menor do que 100mg/dL para indivíduos diabéticos sem doença cardiovascular e menor do que 70mg/dL para indivíduos com doença cardiovascular prévia. No tocante à hipertrigliceridemia tem-se que o controle glicêmico rigoroso pode reduzir os níveis de triglicérides. Depois de se atingir os  níveis glicêmicos adequados e sem o controle efetivo dos triglicérides, pode-se considerar o uso de fármacos. Em indivíduos com TG entre 200 e 400mg/dL, a decisão de se iniciar a farmacoterapia dependerá do julgameto clínico. Altas doses de estatinas tem apenas moderada capacidade de redução dos TGs. Para aqueles com TGs acima de 400mg/dL, recomenda-se seu controle em vista do risco de pancreatite. Os medicamentos recomendados são os fibratos e o ácido nicotínico.

No caso do HDL-colesterol, o objetivo é um HDL > 45mg/dL para os homens e > 50 mg/dL para as mulheres. A terapia inicia-se com dieta e exercício físico; entratanto, sua elevação sem interferência farmacológica é difícil. Assim os fibratos e o ácido nicotínico podem ser usados uma vez que aumentam significativamente os valores de HDL. Deve-se ressaltar que o ácido nicotínico, apesar de ser um anti-lipêmico de grande eficácia no aumento do HDL, deve ser usado com muito cuidado, pois pode aumentar a glicemia. Lembrando-se que o que realmente faz a diferença á a prática regular de exercício físico aeróbico.

Apesar da persistente resistência deste paciente ao tratamento não-medicamentoso, devemos lembrar que a promoção da saúde é papel do médico e, portanto, a indicação da adoção de hábitos de vida saudáveis deve ser reforçada a cada consulta.  Considerando a lista de problemas deste paciente ele poderia se beneficiar muito da melhoria da dieta, da prática de exercícios físicos, da cessação do tabagismo e do etilismo e da redução do estresse no seu cotidiano. Tais medidas teriam impacto sinérgico com o tratamento farmacológico na diabetes mellitus tipo 2, na hipertensão arterial, na obesidade, na DPOC apresentadas pelo paciente, além de ajudar a proteger seus órgãos-alvo.

Observa-se, por exemplo, que o exercício físico regular tem efeitos benéficos sobre o metabolismo dos carboidratos e sobre a sensibilidade à insulina. Além disso facilita a perda de peso e sua manutenção melhora o controle glicêmico, sem esquecer dos benefícios sobre o risco cardiovascular.