sexta-feira, 10 de junho de 2011

Estudo Dirigido - Hipotireoidismo

CASO CLÍNICO : SR. JOSEFINO DA CRUZ
O Sr. Josefino da Cruz de 59 anos, sexo masculino, queixa-se de astenia, sonolência, adinamia, dificuldade de memória e de concentração há cerca de 1 ano, coincidindo com aposentadoria. Atribuiu o fato a depressão e procurou psiquiatra que prescreveu fluoxetina. Não obteve melhora com a fluoxetina e passou a não dormir bem.
Tem dislipidemia diagnosticada há 2 anos, com colesterol total de 250 mg/dL e LDL elevado, na faixa de 170 mg/dL, mas recusa-se a usar medicamento, pois diz já ter utilizado e “não adiantou nada”.
Procurou ambulatório de clínica geral, onde se observou discreto bócio difuso de superfície lisa, FC 64 bpm, PA 130 x 90 mmHg, IMC 28.
Foram solicitados os seguintes exames:
TSH: 13,8 mU/L (ref 0,5-4,5),
T 4livre: 0,7ng/dl (0,8-1,8);
Glicemia jejum: 104mg/dl
Creatinofosquinase: 567UI/ml (até 190 UI / ml em homens).


1)    Comente os sinais e sintomas encontrados, correlacionando-os com o hipotireoidismo.
Nos pacientes com hipotireoidismo, ocorre uma diminuição da taxa metabólica e um acúmulo de glicosaminoglicanos (decorrente de aumento na síntese do áido hialurônico) que se deposita no espaço intesticial de diversos órgãos. Essas duas alterações explicam a maioria dos sinais e sintomas da doença.
      O Sr. Josefino queixou-se de astenia, sonolência (e ao mesmo tempo sono ruim), adinamia, dificuldade de memória, que são sintomas do sistema nervoso muito comuns no hipotireoidismo devido à diminuição do metabolismo da glicose e diminuição do fluxo sanguíneo cerebral. Esses mesmo sintomas poderiam ser confundidos com um quadro de depressão, uma vez que ainda houve coincidência do início dos sintomas com a época de aposentadoria do paciente. Entretanto, a ausência de resposta clínica com o uso da fluoxetina é um dado que fala a favor de outra causa para esses sintomas, no caso o hipotireoidismo.
      Outro sinal que o paciente apresenta é a dislipidemia, que também pode ocorrer no hipotireoidismo devido à redução do clearence de LDL e favorece a aterogênese em hipotireóideos. O fato de medicamento antilipemiante não ter tido efeito também diz a favor de uma causa secundária de hiperlipidemia do paciente.
      No mais, o paciente apresentou bócio difuso e aumento do IMC, explicável pelo aumento de peso decorrente da retenção de sal e água que ocorre nesses pacientes, além de redução do metabolismo com acúmulo de gordura e redução da lipólise.

2)    Este paciente é portador de hipotireoidismo subclínico? Por quê?
      Não. O hipotireoidismo subclínico é diagnosticado quando ocorrem níveis elevados de TSH com T4 livre normal. Além disso, normalmente o paciente com hipotireoidismo subclínico é assintomático, o que não é o caso do Sr. Josefino, que apresenta sinais e sintomas clássicos do hipotireoidismo.

3)    Qual a etiologia mais comum do hipotireoidismo? Como diagnosticá-la?
A causa mais comum do hipotireoidismo é a tireoidite auto-imune, também chamada de tireoidite de Hashimoto, decorrente de uma produção anormal de anticorpos que atacam a tireóide e causam uma diminuição dos hormônios produzidos. A pesquisa de anti-TPO consiste no teste mais sensível para detectar tireoidopatia auto-imune, sendo positiva em cerca de 95% dos casos. Pode ser solicitada, ainda, pesquisa de anticorpo anti- tireoglobulina, que também é um marcador de tireoidopatia auto-imune, porém, menos sensível que o anti-TPO.

4)    Você dosaria Anti-TPO? Como espera encontrá-lo?
Sim, justamente para confirmar a principal suspeita que é a tireoidite auto-imune ou de Hashimoto. Esperaria encontrá-la aumentada.

5)    Na palpação da tireóide observou-se tireóide difusamente aumentada, fibroelástica, sem nódulos detectáveis à palpação. Você faria uma cintilografia da tireóide? E um ultra-som? Justifique.
Acredito que a o ultra-som da tireóide não seja necessária, pois o bócio pode estar presente em pacientes com hipotireoidismo e não há presença de nódulos suspeitos no exame físico. A cintilografia deve ser feita quando há sinais e sintomas de tireotoxicose, para diagnóstico diferencial, o que não é o caso.

6)    Como você explica o aumento da creatinofosfoquinase?
A creatinofosfoquinase é uma proteína que, quando em níveis elevados, indica lesão muscular. O hipotireoidismo pode causar astenia e adinamia, além da diminuição da ingesta calórica e diminuição do turn-over de proteínas, que, conjuntamente, podem causar o aumento da CPK no sangue.

7)    Como você o orientará sobre a dislipidemia? E a hipertensão? E a depressão?
Essas três alterações podem estar sendo causadas pelo próprio hipotireoidismo (a dislipidemia devido à diminuição do clearence de LDL e diminuição da lipólise; a hipertensão pelo aumento da resistência vascular periférica; e no caso da depressão, os sinais e sintomas podem ser os mesmos do hipotireoidismo em si). Entretanto, apesar de serem secundárias, também apresentem consequências importantes, como o aumento da aterogênese e do risco cardiovascular, sendo interessante orientar o paciente a instituir mudanças do estilo de vida e outras formas de tratamento não farmacológico. Como os sintomas podem ser decorrentes da disfunção tireoidiana, é interessante suspender a fluoxetina e tratar o hipotireoidismo primeiro, acompanhando o paciente com lipidogramas, medidas da pressão arterial e observação dos sintomas neurológicos para ver se são somente devido ao hipotireoidismo ou se existe alguma outra afecção associada que deve ser tratada.

8)    Faça uma prescrição de T4 (levotiroxina), utilizando o nome comercial, a dose, e ensinando detalhadamente como utilizar. Escreva na prescrição a duração do tratamento, os cuidados que deve ter com o medicamento e a forma de ingeri-lo, assim como a data do primeiro retorno.
Uso oral
1) Puran T4 50mcg ----------------------------- 30cp.
Tomar 01 cp pela manhã (em jejum, uma hora antes do café da manhã), por 30 dias.
Retorno em 4 semanas para dosagem de TSH e T4 livre e avaliação do tratamento. Está recomendada um aumento da dose de 25mcg/mês até um dose alvo de 100mcg. O puran T4 deve ser tomado com pelo menos 4 horas de diferença de outros medicamentos e/ou vitaminas.

P.S. Não sei se fazemos o acompanhamento com TSH e T4 livre somente após 4 semanas de tratamento com a dose de 100mcg/dia, ou se esse acompanhamento deve ser feito antes do aumento da dose a cada mês. Ficaria meio receosa de aumentar a dose sem avaliar o paciente antes, apesar de ter lido que o retorno poderia ser marcado somente após 4 a 6 semanas do uso da dose de 100mcg/dia. Outra coisa é que, assim como a Maria Gabriela, fiquei na dúvida se não iniciava o tratamento com um dose menor (por exemplo de 25mcg), uma vez que o paciente não é idoso mas apresenta-se no limite da idade (59 anos).

9)    Por que você não utilizou T3 (tri-iodotironina) para o tratamento deste paciente?
No homem, o T4 é deiodinado a T3 em tecidos extra-tireoidianos, de modo que o T4 é o agente terapêutico que melhor simula a fisiologia tireodiana normal, provendo ao organismo ambos os hormônios, ao contrário da terapia isolada com T3. Desta forma, o tratamento de pacientes portadores de hipotireoidismo com T4 isoladamente resulta em níveis séricos diários relativamente constantes de T4 e T3, como ocorre com o indivíduo normal. Há ainda várias outras razões  para se administrar T4 ao invés do T3. A ingestão de T3 ou compostos contendo T4 e T3, é associada com picos pós-absortivos de T3, levando a palpitações. Além disso, a concentração sérica de triiodotironina após administração de T4, formada no tecido extra-tireoidiano a partir da tiroxina ingerida, é controlada fisiologicamente, o que pode trazer benefícios durante doenças e jejum, quando a produção extratireoidiana de triiodotironina é usualmente diminuída e as concentrações séricas são baixas. Há, ainda, que se considerar que a retroalimentação negativa sobre a hipófise é feita não só pelo T3, mas também pelo T4. Além disso, existem desvantagens farmacocinéticas na terapia com T3 (possui menor meia-vida e apresenta picos de absorção mais acentuados).

Você inicia o tratamento com levotiroxina, na dose de 50 mcg/dia. Entretanto, o paciente só retorna quatro meses após, com os primeiros controles, que mostram TSH 11,4 mU/L, T4 livre 1,7 ng/dl e anti-TPO de 1200.

10)  Como você interpreta estes exames? Porquê o TSH continua alto e o T4 livre está normal?
Acredito que a adesão ao tratamento está baixa, e um TSH aumentado com T4 livre nos limites superiores da normalidade (como é o caso) são típicos desta situação. Outra explicação que poderia ser dada é que a dose do medicamento ainda está baixa, uma vez que TSH aumentado com T4 livre dentro dos limites da normalidade pode ser indicativo de hipotireoidismo subclínico.
P.S. Qual das duas explicações é a mais provável? É comum o hipotireoidismo evoluir com hipotireoidismo subclínico em pacientes com doses inadequadas de medicamentos? Eu pensaria que se a dose fosse inadequada haveria também uma diminuição do T4 livre, mas, pensando bem, talvez a dosagem baixa do medicamento seja mais provável. Isto porque a necessidade de T4 no organismo é de cerca de 100mcg/dia, o que implicaria numa dosagem mínima de manutenção de 100 a 125mcg/dia. Como o paciente só está tomando 50mcg, acho que a dose incorreta da medicação esteja causando um hipotireoidismo subclínico.

11)  Como você procederá agora? Com que intervalo irá rever o paciente?
Primeiramente eu reforçaria a importância do tratamento e explicaria ao paciente as possíveis consequências da não adesão. Investigaria qual a probabilidade da não adesão. Caso achasse que o paciente realmente estava tomando sua medicação nas doses e horários corretos, aumentaria a dose para 75mcg e posteriormente para 100mcg/dia, com reavaliação do paciente mensalmente. Caso achasse que houve falha no tratamento por falta de adesão, manteria a dose atual, com novo retorno em um mês.

12) Que efeitos adversos podem ocorrer com o tratamento?
Um efeito adverso importante com o tratamento com levotiroxina sódica é o desenvolvimento de hipertireoidismo decorrente da sobredose. Assim, podem ocorrer taquicardia, palpitações, arritmias cardíacas, dor anginosa, cefaléia, nervosismo, excitabilidade, insônia, tremores, fraqueza muscular, cãibras, intolerância ao calor, sudorese, fogachos, febre, perda de peso, irregularidades menstruais, diarréia e vômito. Esses efeitos podem ser identificados através de níveis suprimidos de TSH, que por sua vez está associado a um risco maior de fibrilação atrial em idosos. Um efeito adverso incomum é a alergia (rashs e urticária) ao corante do comprimidos.

13)  Se o Sr Josefino tivesse 80 anos, sua conduta seria diferente? Por quê? Faça a prescrição para um senhor de 80 anos.
Sim. O tratamento em idosos deve ser instituído de forma muito gradual de modo a prevenir um aumento metabólico muito súbito que pode não ser bem tolerado. Assim, a dosagem inicial do medicamento seria menor e o aumento da dosagem também deveria ser feito de forma mais gradual.
Uso oral:
1) Puran T4 25mcg --------------------------------- 30 cp/mês.
Tomar um cp antes do café da manhã (em jejum, uma hora antes do café da manhã), uso contínuo.
O retorno deverá ser marcado em 4-6 semanas para reavaliação da dose.

14)  Qual o intervalo necessário para acompanhar o sr Josefino. Faça um planejamento de retornos.
O paciente deve retornar mensalmente ou a cada 6 semanas para avaliar a necessidade de ajuste da dosagem do medicamento, até que se alcance níveis normais de TSH. Uma vez que sejam alcançados níveis normais de TSH, o acompanhamento do paciente deve ser anual, com exame clínico detalhado e dosagem de TSH e T4 livre. Caso o paciente inicie o tratamento com algum outro medicamento que altera o metabolismo do T4, (colestiraminas, sulfato ferroso, cálcio, alguns antiácidos que contêm hidróxido de alumínio, alguns anticonvulsivantes, rifampicina e sertralina), níveis séricos de TSH devem ser dosados em 4-6 semanas após o início desses medicamentos para garantir a dose adequada de tiroxina. Caso seja necessário, a dose poderá ser ajustada até que os níveis de TSH voltem para dentro dos valores de referência.

CASO CLÍNICO - SR. ATHEROS MAGNUS

O Sr. Atheros Magnus, 46 anos, é seu paciente há mais de um ano. Neste período vocês já tentaram diversas alternativas não farmacológicas para que ele conseguisse melhorar o perfil lipídico, mas nada deu certo. Ele segue rigorosamente a dieta com baixo teor de gordura saturada e colesterol, e ingere frutas, verduras e legumes. Ele não fuma e consome álcool com moderação. Pratica atividade física regularmente e vem mantendo um peso saudável (IMC=22). Ele não tem hipertensão, diabetes ou difunção função renal e hepática. As dosagens do colesterol LDL em geral estão por volta de 190 mg/dL, do colesterol HDL por volta de 40 mg/dL, e dos triglicérides por volta de 180 mg/dL.
Ele iniciou com dor precordial e evoluiu para infarto agudo do miocárdio. Após este evento, foi-lhe solicitado TSH=25,6 e T4 livre=0,6. A palpação da tireóide revelou glândula discretamente aumentada, fibroelástica, sem nódulos.

15) Comente o diagnóstico de hipotireoidismo e a possibilidade de ele já ser portador do hipotireoidismo há longa data.
É bem provável que o paciente já seja portador de hipotireoidismo há longa data, uma vez que os níveis de colesterol estavam persistentemente aumentados apesar de medidas não farmacológicas efetivas. O hipotireoidismo está relacionado a aumento dos níveis lipídicos devido à diminuição do clearence de LDL e redução da lipólise, acúmulo de gordura e redução do metabolismo. Assim, é recomendada a pesquisa de disfunção tireoidiana em qualquer paciente com dislipidemia. Caso esse screening tivesse sido feito, provavelmente o paciente teria sido tratado precocemente e não teria evoluído para um IAM. Além disso, independente dos níveis de TSH e T4 livre, a terapia farmacológica para dislipidemia deveria ter sido iniciada, uma vez que a dislipidemia é um importante fator de risco para eventos cardiovasculares independentemente de ser primária ou secundária.

16) Faça uma prescrição de (levotiroxina) incluindo o nome comercial, dose, orientações para uso e data do retorno. Como serão os aumentos de dose? Lembre-se da doença coronariana. Releia as implicações deste diagnóstico no tratamento do hipotireoidismo.
Uso oral:
1) Puran T4 25mcg ----------------------------- 30cp/mês.
Tomar 01 cp pela manhã (em jejum, uma hora antes do café da manhã), uso contínuo.
O retorno deverá ser marcado em 4-6 semanas para avaliar a necessidade de ajuste da dose. A dosagem do medicamento deverá ser aumentada em doses de 12,5 a 25mcg, sempre com uma avaliação cuidadosa tanto dos sintomas do hipotireoidismo quanto da doença cardiovascular.

Fim do Estudo Dirigido.



[1] Anelise Impelizieri Nogueira. Hormônios tireoidianos.
[2]Sociedade Brasileira de Endocrinologia. Hipotireoidismo: Projeto Diretrizes, 2005.
[3] DevdharM, Ousman YH, Burman KD, Hypothyroidism. Endocrinol Metab Clin N Am 36 (2007) 595–615
[4] Sociedade Brasileira de Endocrinologia. Tireóide, Doenças da: Utilização dos Testes Diagnósticos, 2004

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